Ana Fonseca Pereira, 14/01/2016
Voluntário britânico foi preso quando tentava levar menina afegã para o Reino Unido a pedido do pai. Absolvido, espera que o caso tenha ajudado a dar uma imagem mais humana dos refugiados.
Há duas crianças na história de Robert Lawrie, o britânico que nesta quinta-feira foi absolvido em França do crime de apoio à imigração ilegal. No início está Aylan Kurdi, o menino sírio que em Setembro morreu afogado no Mediterrâneo. Foi a fotografia do seu corpo franzino, arrastado para uma praia da Turquia, que levou o antigo militar a deixar a família e o trabalho, a carregar a carrinha com bens doados e a partir para Calais. No centro do furacão em que se viu envolvido surge Bahar Ahmadi, um metro de gente e sorriso maroto que Lawrie não suportou que continuasse a dormir entre o frio e a imundice da “Selva”, onde milhares de refugiados e imigrantes sobrevivem à espera de uma oportunidade para entrar no Reino Unido.
Foi a 24 de Outubro, com o Inverno à porta, que Lawrie passou a fronteira ténue que muitas vezes separa o activismo da ilegalidade. O pai de Bahar, um agricultor afegão fugido aos taliban, há muito que tentava convencer o britânico a levar a filha para Leeds, no Norte de Inglaterra, onde tinha primos dispostos a acolhê-la. Uma e outra vez vez, Lawrie respondeu que não o podia fazer, mas naquela noite, sentado a uma fogueira acesa no campo viu a pequena afegã, quatro anos feitos, adormecer nos seus joelhos e não foi capaz de dizer que não.
“Não podemos salvar toda a gente, mas toda a gente pode salvar alguém, e ela é esse alguém para mim”, disse ao jornal Guardian, horas antes de se sentar frente aos juízes do tribunal de Boulogne-sur-Mer, cidade a poucos quilómetros de Calais e do amontoado de tendas onde, segundo os últimos dados oficiais, quatro mil estrangeiros vivem em condições descritas como “diabólicas”. Ainda nesta quinta-feira centenas receberam ordem para abandonar uma parte do campo, com a promessa de serem alojados nos primeiros contentores que o Governo mandou erguer para melhorar as condições de vida no local.
“Eu sei que cometi um crime, mas não podia deixá-la mais nenhuma noite naquele lugar horrível. E quando se vê o que eu ali vi, todo o pensamento racional desaparece”, disse ao Independent este antigo instrutor físico do Exército, pai de quatro filhos, que, comovido pela tragédia de Aylan, acabou por fechar a empresa de limpeza de carpetes que detinha em Guiseley, nos arredores de Leeds, para, em sucessivas viagens, levar ajuda aos refugiados e ajudá-los a construir abrigos a partir de paletes de madeira.
A viagem de regresso deveria ter sido rápida. Lawrie colocou Bahar num pequeno compartimento por cima do assento do condutor da sua carrinha e Reza Ahmadi, o pai da criança, garantiu que ela dormiria a noite toda até chegar a casa dos familiares. Mas à entrada do túnel da Mancha, cães-polícia detectaram o rasto de dois eritreus escondidos na bagageira – o britânico assegura que os jovens entraram sem que ele tivesse dado conta e terá sido ele que, já a caminho da esquadra, avisou os polícias franceses de que a menina continuava dentro do carro. “Acusaram-me de a ter violado”, recordou ao jornal francês Le Monde, explicando que a suspeita caiu quando, após uma hora de interrogatório, deixaram Bahar vê-lo. “Ela chorava, completamente desorientada, e quando me viu, saltou para os meus braços.”
A pequena afegã foi devolvida ao pai e à “Selva », mas nesta quinta-feira, pouco antes do julgamento, voltou aos braços de Lawrie, numa conferência de imprensa a abarrotar de gente. Ali, como depois à frente dos juízes, o britânico garantiu estar arrependido – “De forma egoísta tenho medo, não quero ir para a prisão” –, repetindo, porém, que não suportou a ideia de a deixar “num lugar muito, muito perigoso e frio”.
O antigo militar incorria numa pena de cinco anos de prisão e até 30 mil euros de multa por “facilitar, através de ajuda directa ou indirecta, a circulação ilegal de um estrangeiro”. Stéphane Maugendre, jurista e presidente de uma associação de apoio aos imigrantes, lembrou em tribunal que várias pessoas foram acusadas nos últimos meses por aquilo que classifica de “delitos de solidariedade”. “Temos homens e mulheres que, pela sua humanidade ou militância, tentam aliviar uma carência” a que competia ao Estado responder, acusou.