Assobios nas primárias do PS em Marselha, críticas do dirigente do partido – o Presidente francês deu mesmo um passo em falso
O Presidente francês, François Hollande, tornou-se o grande perdedor político do caso da expulsão para o Kosovo da família da estudante de 15 anos Leonarda Dibrani. A presidente da Frente Nacional (extrema-direita), Marine Le Pen, pediu ontem a demissão de Hollande, que acusa de ter « humilhado » a França por ter convidado apenas Leonarda a regressar para estudar, deixando os pais e os seus seis irmãos para trás – mas as críticas surgem mesmo dentro do Partido Socialista.
« É evidente que o Presidente da República humilhou França de tal maneira que deixou de ter qualquer autoridade », disse Le Pen à rádio France 2. « Viu-se bem a fraqueza, a fragilidade desta personagem, que sob a pressão de alguns estudantes esquerdistas, violou não só as decisões administrativas como também a lei », afirmou a política que para 46% dos franceses incarna melhor a oposição ao Governo socialista.
Mas este está longe de ser um caso em que a retórica de Le Pen a isola – muito pelo contrário. Chovem críticas sobre François Hollande, pelo insólito estender de mão que fez a Leonarda, para que viesse só ela, sem o resto da sua família cigana, depois de ter sido conhecido o resultado do inquérito interno que revelou que a expulsão da família decorreu de forma legal.
O resto da família, que entrou ilegalmente em França há quase cinco anos, permaneceria no Kosovo – um país no qual apenas o pai nasceu, e sabe falar a língua. A mãe, embora de origem kosovar, nasceu em Itália e fala italiano, e os filhos falam italiano e francês. Por isso, não conseguem frequentar a escola no Kosovo, onde as aulas apenas são ministradas em albanês e sérvio.
« A decisão presidencial não é carne nem peixe, e ainda por cima foi rejeitada pela interessada. Roça o amadorismo », escreveu Dominique Quinio, chefe de redacção do jornal católico La Croix. « E depois vamos lamentar o nível de abstenção ou o sucesso das formações políticas radicais nas próximas eleições! »
No jornal de esquerda L »Humanité, Patrick Apel-Muller formulou o argumento repetido por muitos de que a oferta de Hollande é uma armadilha para a adolescente, « obrigando-a escolher entre França e a sua família ». Forçá-la a escolher « seria uma violação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança ».
Para as organizações que lidam com imigrantes, a ideia do Presidente francês soa igualmente estranha. Vindo sozinha, ficaria totalmente a cargo do Estado, que teria de se responsabilizar por lhe dar abrigo, alimentação, educação, presumindo que Leonarda não tem familiares em França. « Ficaria uma menor isolada. É uma solução completamente aberrante, criada unicamente em função das sondagens de opinião », disse ao Le Monde Stéphane Maugendre, advogado do Grupo de Informação e Apoio dos Imigrantes (Gisti).
Mas dentro do seu próprio campo, o Partido Socialista, a actuação de Hollande – e do Governo – está a ser fortemente criticada. E, tal como disse Marine Le Pen, há de facto um problema de autoridade, estima o jornalista do Le Monde Thomas Wieder, que acompanha regularmente a presidência Hollande. « É uma qualidade que os franceses dificilmente lhe reconhecem », escreve.
Durante o fim-de-semana, em que se realizaram as primárias para a escolha do candidato socialista às eleições municipais em Marselha, os partidários da candidata derrotada, Samia Ghali, assobiaram o nome de Hollande e de Jean-Marc Ayrault, o seu primeiro-ministro, quando foi anunciada a sua derrota face a Patrick Mennucci.
E nem é preciso ir tão longe: o primeiro-secretário do PS, Harlem Désir, disse que preferia que regressasse toda a família de Leonarda, pouco depois de Hollande ter feito a estranha oferta à adolescente – que ela recusou rapidamente, através das televisões e jornais franceses, que estão todos acampados à porta da sua nova casa no Kosovo. A rebeldia de Désir é também inusitada: o que se esperaria era um apoio condicional ao Presidente.